28.5.07

"Quem sabe ainda sou uma garotinha..."

Eu tinha 7 anos de idade. Acordei cedo (sozinha!), me troquei e fui despertar minha mãe. Ela deveria estar tão ansiosa quanto eu, mas não duvido que tenha se sentido frustrada também, ao ver-me despedindo-me dela sem uma lágrima sequer. Pelo contrário, tinha no rosto um sorriso de satisfação e o olhar da expectativa da descoberta.

Naquela época, o pátio da escola parecia não ter fim e as escadarias, idem. Todos ali (incluindo eu) não haviam feito pré-escola e, por esta razão, necessitavam desta fase de "adaptação". As salas haviam sido detetizadas e por isso ficaríamos todos juntos naquele dia. Logo éramos cerca de 30 crianças numa sala de aula, atentamente observadas por 3 "tias".

Após todo aquele blablablá de apresentações (do qual, sinceramente, não me lembro), nos foi entregue uma folha de sulfite e dispostos, sobre uma enorme mesa no centro da sala, alguns lápis de cor e giz (qual o plural de giz?) de cera. "Façam o desenho que quiserem!", uma das tias ordenou.

Então, eu desenhei uma garotinha-bailarina-com-rabo-de-cavalo-e-sobrancelhas-grossas (mais auto-retrato impossível). Logo acima dela, um relógio de pulso com pulseiras vermelhas (igual ao que eu estava usando) e, em volta de tudo isso, um rato, um gato e um cachorro (que eu tinha aprendido a desenhar por aqueles dias, diferenciando-os apenas pelo formato das orelhas).

"Tia, acabei!", devo ter dito. "Então, agora você vai criar uma historinha sobre o desenho e contar pra tia escrever pra você." "Mas eu sei escrever! Posso escrever???", meus olhos devem ter saltado diante da possibilidade. "Errr... você já sabe escrever?! Então tá, pode sim!".

Claro que não sei se tudo aconteceu assim como escrito agora (lembrem-se de que temos uma "memória criativa" também...), mas o fato é que eu não sabia por onde começar a contar uma história com aqueles objetos que, aparentemente, não tinham nenhuma ligação um com o outro. Mas eis que "Euréca!", a Espiralzinha pensou.

Na época eu era uma devoradora de histórias em quadrinhos e carregava essas referências. Então, tratei de circular o relógio, que estava acima da bailarina, com uma espécie de nuvem. Mais algumas "bolinhas" em direção à cabeça da menina e eu tinha uma garota pensando num relógio! Ao lado dos pés dela, onde estavam os bichos, um de frente para o outro, desenhei uma miniatura daquele relógio, com uns fios de linha vindos lá de cima, insinuando a queda do objeto que viria ser o centro das atenções da bicharada.

E a história tava pronta! Algo como "Era uma vez uma bailarina que era muito sozinha. Mas ela tinha três amigos: um cachorro, um gato e um rato. A bailarina sonhava em ganhar um relógio. Um dia ela estava dançando no salão e os bichos ouviram um barulho no telhado. De repente, uma telha "abriu" e caiu um relógio que tava lá em cima. Os bichos pegaram o relógio e deram para a menina, que ficou muito feliz!"

Relembrando isso, agora, acho bizarro, me faz rir, mas na época foi a coisa mais natural do mundo. E, embora eu não consiga me esquecer do semblante da professora conversando com as outras tias, à distância "...mas a história da menina..." (isso foi tudo que consegui ler de seus lábios), fico me perguntando: onde está aquela naturalidade em escrever de outrora? O que me distancia daquela garota de 7 anos? Outros 20? Não sei...

Talvez seja culpa do "balão" que acaba de se desenhar por sobre minha cabeça: vazio.

3 comentários:

Anônimo disse...

Belo texto, acompanhado da sempre procura (no lugar errado eu acho) por você de ontem.

Evelyn disse...

Quando eu estava na terceira série (9 anos) a minha tia disse que iríamos escrever uma história para colocar no livro fo final do ano que seria encadernado e entregue aos pais... lembro que eu sozinha escrevi 10 histórias, a minha e mais nove que foram distribuídas para os alunos que não gostavam e não quiseram escrever... eu sempre amei escrever, pena que perdi o fio da meada com os anos.... entendo perfeitamente o que escreveu!!!!
Bjokassss

olegado disse...

trate de colocar uma lâmpada nesse balão!

Bejão