21.5.07

Bichos da Cidade

(Organizando umas pastas lá em casa encontrei esse texto, escrito numa das aulas do Projeto Redigir, tendo como proposta a de desenvolver um texto narrativo inserindo 3 elementos sorteados - no caso 'lanchonete', 'Amazônia' e 'casal' .)

- Não, não e não! Já disse que não!

Estela saiu batendo a porta, enquanto Mauro limpava o quintal.


"Isso já é demais!", pensava ela, dirigindo-se à Big Burger, uma lanchonete a uns dois quarteirões dali.

Pelo caminho, ia refletindo sobre os últimos dois anos de sua vida, desde que casara-se com Mauro. Lembrou-se da festa de casamento, do bolo, do álbum de fotografias. Pensou nos convidados e, por um instante, chegou a esboçar um sorriso. Seu rosto, no entanto, desobedeceu-lhe, assim que ela se lembrou de que todo esse comportamento estranho, que Mauro apresentava agora, tivera início na lua-de-mel.

Na ocasião, Mauro, amante da natureza e mochileiro de carteirinha, havia ganho de presente do seu chefe um pacote turístico de sete dias pela região Norte do Brasil. O pacote dava direito, inclusive, a um passeio ecológico pela Amazônia.

- Querida, você sabe que eu sempre sonhei com isso. É a nossa chance!
- Maurinho, você sabe que eu odeio mato, odeio mosquitos... E depois, lá nem deve ter banheiro!
- Amor, se você quiser poderá ficar no hotel, enquanto eu faço o passeio pela Amazônia com os guias.
- Ah, claro! Nossa lua-de-mel e eu sozinha num hotel? E você vai estar fazendo o quê? Correndo atrás da Jane?!?

A lua-de-mel fora no Rio de Janeiro. Certo dia, em meio aos caprichos de Estela (e compras, e fotos no bondinho, e no Cristo Redentor, e "olha que lindo o calçadão!"), Mauro entrou em uma loja de souvenirs, dessas destinadas a estrangeiros que procuram por objetos que tenham "a cara" do Brasil. Não demorou muito para que saísse de lá com uma sacola cheia de araras, mico-leões, jaguatiricas. Eram de todos os tamanhos, cores e tipos.

De volta a São Paulo, Mauro adotou como hobbie o ato de colecionar tudo o que fosse referente à Amazônia. Em poucos meses, as paredes de sua sala estavam repletas de tais objetos.

"Mas depois vieram os animais empalhados, com aqueles olhos vivos, me observando pela casa... E agora... Não! Assim não dá!"

O farol abriu e Estela atravessou a rua, passando em seguida pela porta giratória da lanchonete. Tratava-se de um lugar simples, com cara de boteco e cheiro de padaria.

Era lá que trabalhava Ana, sua cunhada e confidente. Àquela hora da manhã, Ana encontrava-se limpando as chapas, antevendo o grande movimento das tardes de sábado. Estela foi ao seu encontro.

- Estela, que surpresa boa, a essa hora da manhã!
- Oi, Ana. - respondeu-lhe Estela, cabisbaixa. - Preciso te contar sobre a última que seu irmão está aprontando.
- O Mauro, aprontando? Pôxa, pensei que você estava aqui pra me contar uma novidade... - ironizou Ana, sorrindo.
- Mas desta vez é diferente, tenho que pôr limites! Imagine você que ele...

- PARADAS AÍ! MÃO PRO ALTO!!!

Estela fora interrompida por dois sujeitos que adentraram na lanchonete sem que elas percebessem. Tratava-se de Vagnão e Rubinho, uma dupla de ladrões que tentava assaltar todo tipo de comércio da região, sem sucesso.

- Puxa, são vocês... - Estela se recompôs do susto.
- Como assim, dona? Tá tirando? Tá achando que nóis num é capaiz de causar, é? Hoje nóis tamo armado! Mostra ae, Rubinho! - Vagnão tentava intimidá-la.

Rubinho, por sua vez, com uma arma em punho, tremendo mais que um celular no vibra call, enxugava o rosto molhado de suor com as costas da outra mão. Nervoso, repetia o que Vagnão havia dito:

- É isso aí, dona! Hoje nóis vamo causá, nóis tamo armado!

Estela virou-se para o lado de dentro do balcão e percebeu que Ana já não estava mais lá. Notara, então, que teria que continuar a negociação sozinha.


- Calma, gente. - dizia ela. - O que vocês vieram buscar? Vejam bem, são nove horas da manhã, não há caixa ainda, não temos dinheiro!

Vagnão e Rubinho entreolharam-se e havia uma interrogação sobre suas cabeças. De fato, o que tinham ido fazer ali?

- Então, vamos fazer o seguinte, - Estela tentava não gaguejar - vocês vão embora e nós não damos parte à polícia. Tudo bem?

Antes que os ladrões pudessem ter tempo de refletir sobre a proposta, eis que surge Mauro, trazendo a ponta de uma corda em sua mão direita, o celular na outra. A outra ponta da corda, por sua vez, estava presa ao pescoço de uma onça-pintada!

- A Ana me ligou, disse que vocês estavam em perigo...

Ao ver a onça, Rubinho jogou a arma para o alto e saiu correndo. Vagnão ficou tentando segurar o objeto, comicamente, como se estivesse com uma batata quente nas mãos. Apontando a arma para a onça, saiu, posando de valente.

- Tem volta viu dona? - ameaçou.

Estela, que quase desmaiara, agora pulava no pescoço de Mauro, enchendo-o de beijos e ignorando a onça.

Ana, atrás do balcão, sorria, simplesmente.

4 comentários:

Anônimo disse...

Hum. Enfim, legal, eu gostei. O final é meio decepcionante, mas é um bom texto. Achei que haveria uma lição de moral ou qualquer tragédia no final, mas gostei bastante.
Visite meu blog qualquer dia desses, tá cheio de textos novos.
Abraço

Evelyn disse...

Eu adorei o texto, fiquei presa, embora acho que tá com gostinho de "cadê o resto", afinal só por causa disso será que a Ana vai aceitar ele do jeito que ele é?
Adorei seu BLOG...de verdade, como te disse, me senti compreendida...rs
Bjokassssssssssss

Lord Lino disse...

Rende uma boa cotinuação, pincelando nuances do casamento em crise de Mauro e Estela, tipo como o hobby frustrado do Mauro traduz-se em indiferença e como a Estela canaliza sua carênia no shopping, etc, etc, etc.

Anônimo disse...

Olá Lucieide. Primeiramente vim agradecer e responder o comentário que você deixou no meu blog. Sabe, sou extremamente apaixonado pela boa propaganda. Acho tão gostoso ficar vendo anuários, revistas pasta, adsoftheworld, e tudo mais. Mas também sou suspeito para falar. Eu tenho uma imagem mto boa de criação. É porque até hoje nunca peguei um chefe ou parceiro de trabalho com ego grande, nunca sofri pra valer como alguns amigos meus estão começando a sofrer... se a propaganda fosse minha filha, eu diria que só participei das horas boas, nunca tive que trocar a fralda. Se bem que dizem que quando se é pai, até trocar a fralda é prazeroso. Contradições a parte, caso você desista de planejamento, já tem uma área de braços abertos te esperando. A redação. Vide suas idéias e a facilidade de escrever. Só desejo muito trabalho e muito prazer, além de noites mal dormidas, é claro. E continue nos presenteando com mais textos-crônicas-estilo-veríssimo, aliás, minhas preferidas.
um beijo